sexta-feira, 20 de junho de 2014

E é tudo...

E é tudo. Aqui concluímos os passos deste projecto pelas palavras e emoções do livro e da leitura. Felicidades a todos.
(Imagem de Nicoletta Ceccoli)

Uma ideia final

Chegados aqui e após a respiração dos dias, do entusiasmo às dificuldades diversas, uma colaboração entre o irregular e a empenhada, muitas mensagens, um conjunto significativo de visitantes e sobretudo a mostra de um conjunto de actividades que se tentaram desenvolver. A etiqueta Escrita de palavras (por turma) ou as Leituras na Biblioteca, ou Projectos de Literacia indicam algumas dessas ideias. 

Para encerrar penso que o melhor será uma imagem sobre um desses momentos e que desse corpo a essa ideia de entusiasmo e alegria que é incomparável nas crianças. E pareceu-me que a leitura, a partilha de histórias e o encontro nesse espaço que Bachelard um dia disse que seria uma ideia do Paraíso,a Biblioteca, não poderia ser melhor dada do que pelos leitores. Encontrei crianças admiráveis e não indicando nomes o que revelaram entre a imaginação e a criatividade é uma memória de dias nem sempre fáceis. 

Este Blogue procurou ser um espelho para reflectir uma comunicação, uma participação pelas ideias, pela sugestão de pensamentos que nos desse a afirmação de conteúdos que passou pelos acontecimentos que podem dar corpo à cidadania. Ser um ponto de ligação entre elementos de diferentes escolas foi esse o propósito desta plataforma. Assim se redigiram os Boletins mensais, a Newsletter, se salientou um autor por mês e uma livro por semana. Fica como ponto menos conseguido que as ideias se concretizassem mais numa Biblioteca ou que nesta difusão de informação não fosse possível integrar outros ciclos.

As ideias e os projectos que por aqui passaram seriam impossíveis de concretizar sem a participação de diferentes elementos da escola e do agrupamento. Estabelecemos com alguns uma relação mais próxima, que foi essencial para a concretização de algumas ideias e iniciativas. Não vale a pena citar nomes, pois haveria sempre o risco de um esquecimento involuntário. A alegria do gostar de fazer, com a determinação e a dedicação às crianças são valores que se reconhecem em muitos dos elementos que foram no fundo a própria Biblioteca.

Sobre a qualidade do que por aqui passou há muitos observadores para o avaliar. Certamente faltou concretizar algumas ideias e projectos pensados no início do ano. A ausência de uma funcionária tira identidade e funcionalidade às Bibliotecas. O estado dos recursos informáticos é lastimável. Seria interessante compreender por que é nas escolas / bibliotecas que integram a escolaridade obrigatória que a situação é mais negativa. Deveria ser o contrário.  É sempre possível fazer melhor e esse é o desafio da próxima equipa da Biblioteca, se isso for uma prioridade. Este projecto pode ser continuado por outros. Deixaremos as passwords das diferentes plataformas, se quem continuar lhe quiser dar continuidade.

A terminar gostava de deixar muitas felicidades a todos e que como diz Sophia possamos ainda nos dias à frente ter a possibilidade de "construir a partir do fundamento", em dias de liberdade e afirmação de cada um. Felicidades para todos.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

No nascimento de um anjo

É uma das melhores formas de encerrar as ideias de leitura que por aqui se fizeram. Foi um dos livros apresentados numa das Bibliotecas e ela foi, é uma figura encantadora.  No dia do seu nascimento a evocação de Matilde. Ela foi, é uma das mais importantes escritoras para a infância que se escreveu em língua portuguesa. Nestas alturas a biografia de um escritor são as suas palavras. Mesmo que perdendo a presença do olhar, do entusiasmo, da transpiração emotiva no encontro que tantas vezes fez em tantas bibliotecas. Ficam os seus títulos, as suas sílabas, onde tentou revelar pelas palavras essa sabedoria de lidar para os dias como uma possibilidade nova, onde o amor se entrega acima dos nossos dias sempre precários de futuro.

«Aurora esperou-me toda a tarde de domingo, na sua cama branca, de ferro.
Tinha posto uma fita vermelha a segurar os cabelos escuros. Esperava-me, esperava a minha visita, cuja promessa as companheiras lhe haviam transmitido.

Veio a família: mãe, pai, irmãos, amigos, as colegas.
– Estou à espera da professora…

No dia seguinte a doença foi mais poderosa que a sua juventude, a sua doçura, a sua esperança.
A cabeça escura, sem a fita vermelha, adormeceu-lhe profundamente na almofada, talvez incómoda, do hospital. Sabemos todos já, amigos, que há vida e morte. Também isso temos de aprender.

Não fiquem tristes por isso. Vejam como as flores nascem quase transparentes da terra, como as podemos olhar à luz do Sol, e morrem, para de novo nascerem. Lembrem-se como de um ovo de um pássaro podem sair asas que voem tão alto em dias de Primavera. E morrem, também, e todas as primaveras nascem de novo. E, sobretudo, lembrem-se do coração de cada um de nós, desta força imensa.

E não adiem os vossos gestos. Procurar alguém que sofra, que precise de nós, nem sequer é um gesto generoso, deve ser um gesto natural que se não adia. Às vezes até precisamos uns dos outros para dizermos que estamos felizes, contentes. Só para isso. Mesmo felizes precisamos dos outros.

Aurora ensinou-me para sempre esta verdade. As lágrimas que por ela chorei já não lhe deram aquela visita dopróximo domingo. Nem a mim a alegria de a encontrar sorrindo, cheia de doçura, com uma fita vermelha a prender os cabelos escuros. Vermelha de sangue, como a vida. O Sol. Flores vermelhas.

Aurora era o seu nome. E a sua vida uma manhã apenas que, na minha distracção ou egoísmo, não tive tempo de olhar. Uma manhã com uma fita vermelha. Que lágrima nenhuma pode reflectir.» (1)


(1) http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercialmatilde.htm

terça-feira, 17 de junho de 2014

Nas Bibliotecas do 1º Ciclo


Fernando Pessoa disse-o com clareza, “as crianças são o melhor do mundo”, mas nem sempre nos lembramos com a devida intensidade da clareza do olhar, do espanto pela fantasia como se olha as possibilidades de cada caminho. A infância é um país distante, uma viagem de todos os possíveis, onde ainda se respira cada dia com a emoção da descoberta e onde o tempo e a sua voracidade ainda não se fazem sentir. E quando chegamos a adultos, tentamos recuperar instantes desses tempos mágicos, mas não é fácil chegar à compreensão do que se passa na cabeça das crianças, na sua psicologia. 

A infância é, pois um espaço de crescimento, uma viagem única. E é por aqui que passa o encanto dos alunos do 1º Ciclo. Com eles as actividades de aprendizagem fazem da escola um espaço de maior  afectividade de muito maior alcance que noutros níveis. Diferença que também notamos pelo entusiasmo pela leitura, por aquelas frases como “esse livro é muito infantil” e pela procura do espaço do livro e naturalmente da Biblioteca. Esquecemo-nos muitas vezes, que não é fácil ser estudante, da possibilidade de com os colegas resgatar os dias com as palavras antigas e estranhas dos poetas e artistas de tantos tempos. Reconhecimento de em cada aula, conseguirem reencarnar com interesse e motivação, figuras novas, representações da realidade, por vezes tão distante. É por esta descoberta das palavras novas, para rituais antigos que a educação e as escolas existem. 

É em cada palavra resgatada, em cada pensamento que nos preparámos para realmente construir qualquer ato significativo onde todos possamos Ser. A todos, com reconhecimento, os que nos lembram, o princípio dessa grandiosa, a mas difícil aventura que é crescer, representada neles, os estudantes, que pelos seus olhos inspiram horizontes, de onde também partimos, ainda ontem. E com eles entramos numa ideia diferente para em tempos de mudança percebemos o essencial, o que governos inteiros desconhecem, a gestão simples do sorriso e do esforço partilhado. O contacto com alunos muito jovens deu-me uma ideia diferente sobre essa realidade das escolas em idades tão pequenas. São um público exigente, mas igualmente fiel ao que lhe é dirigido, sem grandes hesitações. Vemos neles, aquilo que Sophia nos dizia, que “a tenra idade não significa infantilidade nas ideias.”

 Vi melhor, com mais realismo o que se percebe com dificuldade muitas vezes em conselhos pedagógicos sobre as dificuldades vividas no 1º Ciclo pelos professores e as infinitas incapacidades de organização de recursos que são diversos em função das autarquias e que são uma clara ineficiência de gestão das possibilidades de trabalho que se procuram desenvolver. Aprendemos mais. Aprendemos o que tantos governos, tanta “coragem” sublimada para mudar a educação não vê, a simplicidade ausente dos burocratas. É triste que a ideia mental burocrática, continue a dominar o sistema educativo, pois ela nada responde ao valor e à energia dos que querem aprender sobre um mundo que receberam, mas ao qual pretendem acrescentar um caminho de realização pessoal. 

Usamos muito como sistema educativo uma retórica do número, da percentagem, do carimbo e da estandartização. Trabalhamos pouco para a diferença, para uma linguagem de capacidades, que supere a rotina e que incentive a imaginação e o pensamento criativo. As paixões educativas de sucessivos governos não entendem o essencial destes traços de cor e beleza que se apresentam em páginas de sonhos. Picasso tinha absoluta razão, ao dizer que há em cada criança um artista, mas nós não o vemos, não o percebemos. Nas escolas / bibliotecas de 1º Ciclo percebe-se melhor esta dimensão. E, em final de ano lectivo, aquilo que move tanto esforço, deve ser destacado no essencial do que devia ser o sistema educativo). 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Pessoa ou o assombro contínuo

O meu olhar é nítido como um girassol. (...)
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo ...
Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo da Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar... 
 
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Fernando Pessoa, Obras Completas
Imagem, in amybates.com

Introduzir Pessoa

(...) E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado. (1)
Um livro que procura introduzir de uma forma plástica alguns dos poemas de um homem que é um mistério contínuo. No dia do seu aniversário, um pequeno livro com treze poemas de Pessoa ortónimo e heterónimo, ilustrados por Pedro Proença e publicados pela Factoria K, uma nova chancela da Kalandraka.
São treze poemas que inauguram a colecção Treze Luas em português, colecção essa que vem reforçar a das Treze Lúas, da Faktoria K de Libros, e que assim, conjuntamente, prosseguem esse ideal de apresentar valores de  multiculturalidade.
 
(1) Alberto Caeiro, «Eu Nunca Guardei Rebanhos»,in Fernando Pessoa (Antologia Poética)